domingo, 2 de dezembro de 2007

Sou Mulheres

Tenho em mim esse rasgo de nascença,
uma fenda entre as pernas.
Têm dias que sangro antes do sol,
e me escorre entre joelhos e pés, dor e cansaço.
Tenho em mim esse rasgo de nascença,
uma fenda entre as pernas.
Nunca me foram necessárias santas.
Por demais, o grito.
A voz em punho na cor das ruas.
Não sou mulher,
Sou mulheres.

(Maíra Guedes – 28 de setembro de 2007
Dia Latino Americano e Caribenho pela Legalização do aborto)

quarta-feira, 22 de agosto de 2007

Da janela

A pele dela era seca. Quase pálida. Na varanda penteava os cabelos devagar. Leve, bem leve o passear dos cabelos nos ombros. Os olhos túrgidos, como se a sua frente estivesse deitada a tristeza. Eu a contemplava devagar, como quem ouve sonata ao pé do piano. Linda.
Era como ver a melancolia sóbria dançar à luz fraca da varanda. Linda dor. Seca. Quase pálida.
Quando nasci era meio janela, daquelas de gravetos catados na floresta, e que se abrem nos dias de Sol.

Quando cresci, decidi que ia ser janela de menina ficar vendo a lua, ou então janela de pular, daquelas feitas pra fugir desembestada por ter feito o doce na cozinha desandar.

Teve época que sem querer fazia-me porta.
Era como um ritual de fingir ser quase grande.
Deixava o cadeado jogado perto dos pés, e me fazia pronta, pro cheiro dos sonhos entrar.

Gotas

Chove.
Barulhinho em rio.
Pedrinhas caem soltas.
Dias soltos fogem.
Palavras brincam.
Esconde-esconde n'água.
Dedos se embolando em correnteza.
Chuá.Chuá.
Som de papel a desembrulhar.
Gosto de flor se desfazendo.
Barulho de pétala dormindo.
Silêncio!É noite de Lua e menino

(30/08/06)