Minha mãe é quem derruba a casa da mentira
e basta.
Por um tempo senti que não devia confiar em nada, nem ninguém.
Fui uma criança que volta e meia era pega na mentira.
Mas aí Oyá começou a me dar jeito de ver dentro do olho
dentro do sonho
dentro
e eu já não minto ou sinto medo.
Porque o que precisar ser desfeito, Oyá vai me mostrar,
o que eu precisar compreender, Oyá vai me mostrar,
de onde eu precisar partir, Oyá vai mostrar...
Nascemos na guerra,
e eu não preciso deixar de confiar nas pessoas,
porque confio em orixá.
Por isso posso amar.
Porque é minha mãe quem derruba a casa da mentira
e basta.
As vezes meu olhos estão anuviados, e não consigo ver...
não é simples o trabalho de limpar o coração e estar atenta aos sinais,
com olhos iluminados não de claridade, mas de horizonte.
A guerra me fez achar que não podia confiar em ninguém,
terrível sensação...
Na frieza achei conforto.
Esse prazer de não se ver espelhado no outro.
Minha mãe veio e dançou comigo,
disse que eu podia pisar firme,
olhar no olho.
Meu coração estava duro,
todo desenhado de cicatriz,
então,
Oyá veio e cantou pra mim.
(Maíra, "Notas sobre amor e guerra")