domingo, 31 de agosto de 2008

No tempo dos amores perfeitos dançar entre correntes era de olhos vendados.
Lá, a modernidade (chata) concordava comos açúcares diários dos cafés nunca amargos.
No tempo dos amores perfeitos não existiam adoçantes, conservantes, fortificantes, anabolizantes...
Era tudo sintonizado com a canção da estação de rádio que jamais se repetia.
Mulheres, homens, plantas, papagaios, cachorros e fredericos
em harmonia constante com os travesseiros e cordas.
Tempo atemporal.
Relógios congelados as 4:57 da tarde.
Um cheiro de praça misturado ao de tangerina e cacau
era o preferido da moça que não tinha um amor perfeito.
Mas mesmo assim ela parara seu relógio,
tinha um papagaio e um frederico.
Mas acordava taciturna.
E nas manhãs entre 7:30 e 8:30 um moço passava na porta de sua torre.
Era o único instante em que sua vida era 4:57 da tarde.
O moço nem imaginava que causava instantes de amor perfeito para a menina.
E ela jamais falaria. Imagine correr o risco de nunca mais ter sensações de 4:57 da tarde?
Ela não sabia se ele já possuia o seu amor perfeito,
e a única Lei do Mundo do Tempo dos Amores Perfeitos
era que ninguém poderia desejar o amor perfeito do outro.
Se o fizesse seria condenado a viver eternamente as 11:49 na manhã.
O pior dos castigos.
E ela se mantinha triste, com seus instantes de sublimação.
Sem saber se aquele que passava poderia ser seu amor perfeito.
Do outro lado, o moço chegava em casa e ia escrever cartas para o seu amor perfeito que um dia chegaria, já que a moça da torre com o cheiro de cacau para ele não sorria...
É. Mesmo no tempo dos amores perfeitos sonhos existiam,
e para eles, a quase sempre cruel realidade.

(Maíra Guedes - Olivença - Ba,25 de dezembro de 2005)

sexta-feira, 29 de agosto de 2008

o vestido

Veio de sensação distante,
num rumpido,
o vermelho do tecido se fez presente nas lembranças.
Abriu a gaveta com os dedos de frio,
com o vermelho nas mãos, sentiu o toque, o suspiro...
Preparava o corpo para fazer parte dele.
E o vermelho caindo aos poucos na pele agora rubra.
E sim. Coube exatamente.
Devagar, por entre a língua, carne, e palavras.
Num suspiro lento, ele coube.
Bailando no corpo, como se ali,
justo no peito, fosse teu palco.

(26.08.2008)

domingo, 24 de agosto de 2008

Tem pedaço de mim por cada parte da casa.
Entram; não percebem.
Um deles pisa-me os cabelos,
outro bebe-me.
Aos poucos pisoteada estou,
cada pedaço de mim,
cada canção entornada por meu pés
agora parece pouco.
Tanto transbordei que despedaçada estou.
Sou despedaço. Desperdiço. Despedida.
Despida em pedaços.
Restam-me apenas os traços,
aqueles ali, deixados na sala de estar.