De repente veio ele, palavras poucas e um certo jeito rude de gostar de passarinhos. Não sabia onde tocar, por onde passear, carregava um sorriso sempre beirando sépia. Era meio metade. Gosto incerto que causava estranheza, como a primeira vez que a gente come açúcar mascavo. Teve dia, por um querer inesperado, deu sorriso azul de presente à ela, em seguida entregou segredo. Ela fez disritmia derramando em outra boca. Ele transbordou. Novamente sépia, como retrato antigo com cheiro de dor, abriu camisa e mostrou coração calejado. Mas mesmo no meio de tanto desajeito das partes, ele cuidava. Certo dia gritou de lá que ela inda havia de machucar os pés de tanta mania de andar descalça. A menina não deu importância, dias sem olhá-la, e agora preocupado com seus pés, um despropósito talvez. Mesmo misturados em asperezas teve noite acarinhada, talvez porque no escuro a nudez é menos crua. Ele cantou pra ela, e num repente os olhos quase sempre mudos esparramaram poesia pelo chão. E ela dançou pra ele. Cabelos soltos, vento de varanda invadindo, levando cheiro de flor. Beleza espalhada. Não se sabe por que, mas justo ali abriu-se ferida nos pés da menina. Ela não percebeu dor escorrendo. Só ele a viu girando no chão de sangue e poesia, embalada por canção que vinha dele. Não conseguiu pedir que parasse. Sangue. Sangue. Cada vez mais sangue. Embebida de poesia ela dançava com os pés agora quase crus. E foi ali, com tanta dor esparramada, que eles fizeram de dia envelhecido, noite de amanhecer.
(novembro de 2008)
2 comentários:
esse "qué horas son, mi corazón?" quer virar alguma coisa em mim
lendo esse texto eu imagino taum claramente a cena e as coisas..
eu só colocaria uma exclamação em "...e agora preocupado com seus pés!, um despropósito talvez."
te amo
e naum sei como ou pq, mas ja to com saudade de vc
Gostei. os sons, as cores, as imagens...
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