quarta-feira, 30 de novembro de 2011

tempestade



Corpo chove na cama
conduzido por Oyá.

Ultrapassa o colchão
e a crueldade.

Carregado do escuro ancestral
desinventa a chuva,

faz dela
suor do mundo.

quinta-feira, 15 de setembro de 2011




Sol derrete o tempo.
Líquido,
renasce afluente,
desagua em meu peito-morada.
As vezes foge com a lágrima,
desagua no vento,
pra voltar a ser tempo
seco do mundo.


Mamá, setembro de 2011, Palmas - TO.

Fotografia: Felippe Thomaz - http://www.flickr.com/flipthomaz

quinta-feira, 4 de agosto de 2011

CORAÇÃO


úmido refúgio da poesia 
último amante da saudade
amigo íntimo do cangote.




sábado, 18 de junho de 2011

emprego bom



- Mãe! Caiu terra em meu olho!
- Deixa eu assoprar que passa meu amor.
- Assoprar é o jeito da gente fazer vento?
- É...
- Tem uma fábrica de vento dentro da gente?
-Tem...
- Então a fábrica de vento do mundo fica dentro de deus?
- Deve ser ...
- Quando eu crescer posso ir pra lá fazer vento com ele?
- Vamos ver... quando você crescer a gente conversa.
- Quando eu ficar grande quero ser fazedora de vento do mundo. Deve ser bom ter intimidade com os passarinhos.


( Mamá, 30.04.2011 - em manhã de chuva, vento e saudade.
Ilustração de Vânia Medeiros "Criança nova, criança eterna")

domingo, 1 de maio de 2011

da série quase-contos : As pitangas de Alice




Quando criança, Alice engolia pitangas sem mastigar. Sua avó sempre dizia que quando se come fruta inteira nasce um pé dentro da gente. Antes dos 8 anos a menina já havia comido o suficiente para nascer uma floresta de pitangueiras em sua barriga. Ela sempre foi de querer coisas inteiras. Aos 4 anos se apaixonou pela primeira vez, aos 5 já sofria de amor, e aos 7 tinha 4 admiradores secretos. Tudo sempre aos bocados, como as pitangas engolidas na inteireza.

Aos 10 anos Alice queria casar com a vizinha. Se o pai e a mãe podiam casar pra só viver da felicidade de ir domingo ao shopping e dos aniversários sem brigadeiros, ela podia casar para viver felicidade de verdade, e Sofia era exatamente a pessoa com quem Alice queria fazer junto coisas bonitas o resto da vida. A mãe se desesperou, o pai teve uma síncope. Não eram entendidos de coisas de amor.

Sofia mudou de cidade. Foi a primeira dor mais forte de Alice. Foi quando pela primeira vez, em meio aos soluços, as pitangas cheias de lágrimas começaram a pingar. Avós quase sempre têm razão. Nascera uma floresta de pitangueiras dentro da menina que agora entendia literalmente o dito popular “chorar pitangas.”
Foi perguntar a Avó se caso engolisse as cartas de Sofia iria chorar palavras... a avó disse que não seria muito diferente, palavras e lágrimas falam por vezes as mesmas coisas. “Mas palavra não tem pé Vó! Você me dá um pé de palavras?” Alice começou a engolir cartas e pitangas.

Na adolescência quis outros casamentos, parou de engolir as cartas de Sofia e começou a guardá-las na gaveta. Com o tempo passou a cuidar das frutas de dentro dela; bebia água mesmo sem sede, tomava banho de sol bem cedinho e chorava escondida para não assustar as pessoas ou ser forçada a parar em um programa sensacionalista. Depois de um tempo chorando pitangas Alice decidiu vender as frutinhas. Aos sábados montava uma banquinha na praça. O preço era amigável, só o suficiente para comprar chocolates. Nessa época, Alice ainda não sabia que quando as pitangas vinham de coisa de amor, as frutas pegavam o gosto do coração da menina.

A primeira remessa vendida foi um sucesso e teve gosto de saudade. Foi do choro de uma noite que ela inventou de reler as cartas que entupiam as gavetas. Cartas antigas fazem chorar e pitangas também. Foi um rebuliço no bairro. Pessoas chorando com fotografias nas mãos, outras correndo para rodoviária, aeroporto. As contas de telefone então! Essas aumentaram como nunca! Alice não atentou que a causa daquela agonia eram as pitangas, achou ser algum tipo de data em que se comemora a saudade. A moça era desligada das coisas do mundo, e só depois de muitos sábados percebeu como as pessoas mudavam nos fins de semana.

Logo as frutas ficaram famosas. Teve semana de ser tudo misturado: a menina chorou de feliz, chorou de triste, chorou de raiva. Quem comeu se misturou de sensações. Tudo parecia mais verdadeiro no bairro depois das pitangas.

Certo dia, já depois da adolescência, um moço de nome que não se diz por promessa de proteger a fonte, procurou Alice. Ele veio de terra distante só por causa das pitangas. A menina desconfiou, o moço ficou parado na praça uma manhã inteira de sábado só olhando a banquinha e engolindo jabuticabas. Quando o ponteiro bateu meio dia, Alice desarmou a barraquinha, e foi na direção dele dizendo: " Você não sabe que faz mal engolir fruta inteira? Nunca te disseram que nasce um pé dentro da gente?" Ele sorriu. Sorriu leve, mas tão leve que invadiu os olhos da menina.

Era certo! Mais uma paixão para temperar pitangas e depois encher gavetas. O moço respondeu bonito: "Disseram sim moça, tanto disseram que nunca parei." E ali se entenderam. Ela ofereceu pitangas, ele engoliu aos bocados e a entregou um saquinho de jabuticabas bem brilhosas que também foram engolidas. Eles sabiam que as frutas do dia tinham vindo com gosto de amor. Foi o suficiente. Se trancaram no quintal, plantaram um pé de cada fruta. Alimentaram-se.

Ele ensinou Alice a comer canções inteiras, ela mostrou pro moço como se planta um pé de palavras no estômago. Começaram a escrever poesias e almoçar versos. Depois de um tempo decidiram plantar um pé de amora e um de amor. A barriga de Alice começou a crescer, e o coração do Moço também.







(Mamá, outono de 2011)

Ilustração: "Oikos" de Vânia Medeiros - http://www.flickr.com/photos/vania_medeiros/412703672/in/set-72057594075732940)

quinta-feira, 28 de abril de 2011

Abril Vermelho



E no sono das miragens
bebo o gosto do verso dito,
me entrelaço embevecida
na solidão das mais mulheres.

Em chamas acuso um céu sem deus.
Armas em punho, palavras pro tempo,
e na trincheira do teu corpo,
sou finalmente amor.

(Mamá)


Ilustração de Vânia Medeiros : http://www.flickr.com/photos/vania_medeiros/525453742/in/set-72057594075732940)

domingo, 3 de abril de 2011

conselho

É tarde Maria.
Dobra as dores com carinho,
faz a trouxa e vai simbora.
Antes, pega as mais encardidas e lava no punho,
com o cuidado que só merecem as coisas de amor.
Adianta o passo que elas pesam mesmo limpas,
dor tem peso de tempo Maria,
enverga o peito.

Não pára.
Aqui é quente e sem sabor.

Quando for a hora
larga a trouxa no mar,
dor gosta d'água Maria,

não precisa morar na gente.


(Sugestão de trilha para ler o poema "La Valse d'Amelie" no piano - http://www.youtube.com/watch?v=4Z2ljWwIaHs )