Foi do nada. O Amor saiu correndo, derrubando os mundos, estraçalhando nuvens de amor guardado e corações de amor preenchidos. Tudo ficou morno, insosso, sem imensidão. A saudade foi uma das que mais sofreu.

Na fuga, Amor correu sem parar por dias. Ninguém entendia o que acontecia, não falava, só corria. Mais de uma semana correndo não se sabe do que, sentiu sede e parou na beira de um rio resmungando. Do Orum o avistaram e pediram pra Oxum interceder. Enquanto Amor matava a sede, a voz das águas disse: - Amor, meu filho, que está acontecendo? Por que não para de correr? Para onde você quer ir?
Foi ouvir a voz de Oxum, ele desabou a chorar. Chorou, chorou, chorou até quase virar nascente. Oxum o colocou no colo, cantou e cantou até adormecer. Quando a yalodé já sonhava, ele encheu seus potes d'água e seguiu em disparada.

Embrenhado na mata se
transformou em som. Misturado as folhas começou a se espalhar chorando devagar. Oxóssi, esperto e de tiro certo, percebeu movimento novo e num rompante segurou o som do Amor pelos cabelos com uma só flecha. Esse, gritava: - Não me mate, não me mate! Sou eu, Amor! Me deixe seguir viagem grande Rei de Aruanda, só me deixe seguir viagem.
Desconfiado, Oxóssi pediu que ele esperasse. Fechou os olhos e procurou por dentro a força do amor que mora no Rei das matas. Sentiu a grandeza da energia que ali estava e fez reverência:
- Em que posso ajudá-lo? O senhor está fazendo falta no Ayiê. As pessoas estão pouco corajosas, isso me incomoda. O que busca? Quer ajuda? .
- Senhor Oxóssi, seria uma honra tê-lo ao meu lado, mas preciso seguir só.
Amor se deitou aos pés de Oxóssi, agradeceu e se largou por debaixo da terra.

Correu por dias sem ver o sol, até que se bateu numa grande pedreira que cortava mundo abaixo. Tonto e machucado avistou Xangô, posicionado a sua espera, dizendo:
- Pensei que chegaria antes! Disseram que você tem parte com o vento, que corria que era uma beleza!
- Kaô Kabiecilê meu senhor Xangô. Pode me deixar passar?
- Nem bem chegou e já quer ir embora? Todo o Ayiê está atrás de você, se eu te deixar ir vão me culpar. Infelizmente terei que te prender. Foi o acordo feito entre os reis e rainhas. Não serei eu a descumprir.
Amor se desesperou: - Tenha misericóridia e não me prenda. Por todo e tanto amor que já recebeu Senhor das Pedreiras, me deixe ir.
Xangô se mostrava irredutível:
- Não posso. Você não pode mais fugir.
- Senhor Xangô, muito admiro tua coragem, mas parece que preciso lembrar que foi o Amor de Iansã que te trouxe de volta da morte. Me deve também tua vida. Mostre respeito e me deixe passar.
Nessa hora tudo estremeceu. Xangô achou um absurdo! Quanta petulância! Quem ele pensava que era? Cheio de si e tratando dessa forma um momento tão sério da vida de um Orixá? Xangô estava enfurecido e já ordenava a prisão quando Iansã chegou tempestuosa:
- Que confusão é essa? Quem é esse senhor? Porque está tão maltratado? O que você fez Xangô?!
- Eu? Nada! Ele que está fugindo. Só estou garantido que pare de fugir, como o acordado.
Iansã
respirou fundo, o vento fez cair todos os disfarces que no caminho Amor tinha colocado
- E do que ele foge? Algum mal te persegue? Quem é você?
Mesmo sujo e fraco, Amor ficou luminoso com a presença de Iansã. A beleza tomou conta do lugar. Tudo ficou viçoso e com algum ardor.
Foi quando finalmente Amor disse porque fugia : - Eu vim buscar-me em
você grande Iya. Estou morrendo e ninguém percebe... fazem
queimaduras com as paixões, brincam de encantamento, se misturam de
mágoa e rancor e acham ser isso Amor. Estou doente… vim correndo
de longe porque ouvi dizer que o amor de Oyá é o maior do mundo.
A
Orixá ouviu atentamente e solicitou que todos saíssem. Pediu a Vó Nanã
e ao Velho Omolu que cuidassem das feridades de Amor. À Ogum que
fizesse a arma mais bonita do mundo! Costurou com faíscas e raios
uma roupa branca, vermelha e dourada, e pediu à Iemanjá que o
deixasse morar dentro dela por uns dias. Pra nascer de novo mesmo.
Antes de partir, foram os dois para uma árvore bem alta, dentro de
um rio imenso, criar fundamentos. Conversaram por 27 horas. Ela
entregou a ele um pote de folhas preparados por Ossain, para que
guardasse pra junto ao peito. Ele entregou a Oyá ventos de ver
dentro do amor das pessoas. Se abraçaram por longos minutos e por
baixo deles se fez panapanã, centenas de borboletas dançando em
espirais, fazendo Tempo girar. Foi quando do outro lado do Rio,
chegou Exu, à espera de Amor, para seguir com ele a estrada de
fogueiras e encruzilhadas.

(Maíra Guedes, Salvador-Ba,
22 de setembro de 2016)
Imagens:
1. Oxum de Anne Gonzaga
2. Oxóssi de André Hora
3. Xangô de André Hora
4. Iansã de Carybé
5. Exu, autoria desconhecida
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