segunda-feira, 22 de dezembro de 2008

músicadelá

Estou a tentar descobrir a escala de ruídos da saudade.
E dentro da saudade o ruído dos detalhes.

Descubro o jeito do olho do sol,
a barba do dia envelhecido,
o cheiro da noite,
o hálito da poesia do menino.

Misturada aos ruídos,
me faço canção de saudade,

canção de ruídos,
canção de vontades.

quarta-feira, 10 de dezembro de 2008

amor e barquinho II

Mar de amor e vento,
mareando as bobagens do peito.

A gente mareia quase tudo.
E amareia.

Mistura de amor e mar.

Na'reia tem castelo,
Mar vem, desmancha.

Gosto salgado na boca.
Tem amor morrendo afogado.

Amor tem mania de mar.
Barco de papel navega,
Hora do banho desmancha.

A gente tem mania de vento.

E venta, e ama,
se mareando.

sexta-feira, 5 de dezembro de 2008

amor e barquinho

Amor é assim malvado,
picha a gente bem por dentro,
no meio da noite chuvosa,
e esconde o guarda-chuva.

Amor é assim cuidado,
não usa gravata, sandália percata,
anda descalço.
Sobe morro, molha vento,
corre asfalto, é movimento.

Amor é assim porta-retrato,
a gente pode até fingir que escolhe a foto
que vai ficar na sala pra visita olhar,
mas não adianta não,
tem visita que chega no quarto,abre guarda-roupa e...!

Amor é assim barquinho de papel,
daqueles feitos a mão com rabiscos de outros tempos,
a gente constrói, inventa, enfeita,
mas não pode pôr na água se não ele desmancha.

...ele desmancha...
mancha,
e acaba.

sexta-feira, 21 de novembro de 2008

embarulhada

Tem um monte de barulho morando dentro de mim.
Parecem árvores conversando com o vento, ou crianças correndo atrás do moço do picolé.
Tem dia que parece dor antiga fazendo zumzum.

Os barulhos se misturam.
Embrulham as saudades e depois rasgam o papel de enfeitar,
eles as deixam abertas espalhando cheiro forte.

As vezes aparece barulho novo que num piscar se embaralha aos outros.
Tem dia que é banda de prato e panela. Me fazem dançar até!

Dia desses acordei querendo sorrir silêncio, e não sentir cheiro de saudade.
Mas tanto me deixei 'embarulhar' que dentro de mim parece não ter espaço.
Futuquei, futuquei, tanto futuquei procurando lugar de descansar que fiz um corte.

Mais um barulho.
Descobri que não silencio.

Só em poesia,

Fora dela ganho barulhos
e machucados.

quinta-feira, 13 de novembro de 2008

"¿Qué horas son mi corazón?"

De repente veio ele, palavras poucas e um certo jeito rude de gostar de passarinhos. Não sabia onde tocar, por onde passear, carregava um sorriso sempre beirando sépia. Era meio metade. Gosto incerto que causava estranheza, como a primeira vez que a gente come açúcar mascavo. Teve dia, por um querer inesperado, deu sorriso azul de presente à ela, em seguida entregou segredo. Ela fez disritmia derramando em outra boca. Ele transbordou. Novamente sépia, como retrato antigo com cheiro de dor, abriu camisa e mostrou coração calejado. Mas mesmo no meio de tanto desajeito das partes, ele cuidava. Certo dia gritou de lá que ela inda havia de machucar os pés de tanta mania de andar descalça. A menina não deu importância, dias sem olhá-la, e agora preocupado com seus pés, um despropósito talvez. Mesmo misturados em asperezas teve noite acarinhada, talvez porque no escuro a nudez é menos crua. Ele cantou pra ela, e num repente os olhos quase sempre mudos esparramaram poesia pelo chão. E ela dançou pra ele. Cabelos soltos, vento de varanda invadindo, levando cheiro de flor. Beleza espalhada. Não se sabe por que, mas justo ali abriu-se ferida nos pés da menina. Ela não percebeu dor escorrendo. Só ele a viu girando no chão de sangue e poesia, embalada por canção que vinha dele. Não conseguiu pedir que parasse. Sangue. Sangue. Cada vez mais sangue. Embebida de poesia ela dançava com os pés agora quase crus. E foi ali, com tanta dor esparramada, que eles fizeram de dia envelhecido, noite de amanhecer.


(novembro de 2008)

segunda-feira, 10 de novembro de 2008

Ele me levou pro fundo,
onde o pé não encontra areia,
e lá no meio
fez cócegas na barriga do mar.

Ele me presenteou a noite,
me fez nascer saudade,
esmorecer dor de antes.

Ele me fez vermelha
dançar descalça
em peito nu na madrugada.

Fez dele meus cabelos.
Na brincadeira dos cachos,
nasci árvore e leão.

Ele é lindo
como canção ninar.

Ele é meu meninar.

Me faz nascer poesia,
e me amanhece.

domingo, 2 de novembro de 2008

cotidiano

todo dia é de noite.

saudade é dia que amanhece noite,

anoitece flor.

flor traz nos olhos casa,
todo dia é asa,
pra bordar cobertor,

cobertor traz no colo cheiro,
todo dia é brasa,
de sonhar sono inteiro.

todo dia é de (a) mar,
de afogar e afagar.

todo dia só é dia pra noite chegar.




* colaboração Renan Reis

quinta-feira, 30 de outubro de 2008

diálogo

Sim moço!
Sou filha do asfalto.
Queria mesmo ser da terra,
vinda do mato,
com cheiro de fruta do pé.
Mas não.
Sou filha da rua.
Quadrada,podada e criada.
Sou filha de um carnaval da carne.
Não conheci quem conhecesse
Pierrot ou Colombina,
Arlequim é o que chora?
Nasci filha mulher,
nunca menina.
E duvido de quem seja.
Sim moço!
Sou filha de puta!
De esquina e caminhão.
Sou filha de um sonho
que nasceu na contramão.

(Maíra Guedes - Salvador-Ba,17 de fevereiro de 2006-23:58h)

terça-feira, 21 de outubro de 2008

para manoel

Tenho cambaleio pra coisa de infância.

Quando lambuzada de menino de barro
fico ainda mais propensa a deitar de barriga virada pra terra.

Minha palavra tem prazer em despropósitos.

Amor é despropósito.
Poesia também.

Dia desses descobri que lágrima é mistura de água do mar
com açúcar de fazer doce.

Doce é coisa de infância,
mas serve pra treinar os fingidores de adultices.

Ele me ensinou a namorar formigas e amanhecer de noite.

Fiz descoberta que queria derramar em seu ouvido:
Os passarinhos nascem na boca das crianças.

Dia desses cutuquei palavra presa.
Me arranhou.

Fiz carinho,
ganhei poesia.


(20.10.08)

quarta-feira, 15 de outubro de 2008

sede

Bebe-me aos poucos,
como a sede dos que sangram,
com a vontade dos que esperam.
Que de cá te desejo sem metades.
Pulso em sede,
tempestuosa sede.
E que ela seja nua.
Que seja de silêncio,
Que seja verso em madrugada.
Que não seja de verdades.
Que seja de saudade, colorida saudade.
Que venha de corpos amantes.
Que tenha a cor dos amados.
Que tenha som de sorriso secreto,
e de vento assombrado.
Que seja sede.
Que seja falta.
Que seja alta.
Que seja rede,varanda.
Seja saliva, corpo, bom-dia,
canção, língua, poesia.
Que seja sede que não míngua em lua,
mas cativa quando morta,
afogada em água.

sábado, 6 de setembro de 2008

brincadeira nova

Poesia derramada,
Cambalhota em descarrilho,
Saudade em estribilho.

Parceria nessa estrada
Cada um pôe um ladrilho.
E a Estrela descobre o brilho

da canção desenfreada.
E um moço lá distante
Vem alegre e cantante

pra contar a novidade,
Que é de verso que se vive
Nesse mundo de saudade.

Sem saber que, na verdade,
lá distante é aqui do lado,
e a distância é só poeira

e a certeza que me invade
é a de um mundo já rimado
comandando a brincadeira.

E a gente dança ciranda,
e canta poesia,e cata alegria
sem nunca cansar.

E a gente pula fogueira
e roda pião,escreve a canção
de menina ninar.

Menina, dorme tranqüila
O Amor não tem fila, e a luz que cintila
É o mesmo luar.

Menina, a lua não mente
Clareia contente a vida da gente
Se a gente deixar.


(Rodrigo Sestrem e Maíra Guedes - agosto/setembro de 2008)

sexta-feira, 5 de setembro de 2008

quintal

Medo de quando as palavras escorregam,
e a gente não vê os raiozinhos de sol por detrás dos fios de cabelo,
e não ver é como se o Sol não existisse.
E se ele não existe não tem dia pra passarinho cantar,
nem praia pra brincar de castelinho de areia,
e a gente nem vê se tem carambola no pé.
Só com lanterna.
E amor com lanterna é frio,
precisa de pilha, e aquelas coisas de invenção chata.
Quase suco de manga com açúcar mascavo.
Amarga o peito.

É dia pra sempre envelhecido.


(outono de 2008)

quarta-feira, 3 de setembro de 2008

paranós

Nascida em alambique,
embriagada como um soneto.
Quando criança amolava as facas da vizinhança
depois ia brincar com as formigas.
Gostava dos vestidos de retalhos.
Aprendeu a tecer, bordar, rendar.
Depois de crescida derramou café quente nas anáguas.
Foi confusão de não caber em janelas curiosas.
Dia desses fugiu,
faca na mão, bordado na outra.
Embriagada de nascença,
com o vestido agora livre,
no deleite do soneto que a vontade espalhava.



( é de agosto de 2008, mas inventei de ler coisas antigas, e a gente no presente quase sempre se acha melhor que o a gente do passado, então agora é de agosto de 2011)

terça-feira, 2 de setembro de 2008

Lagriminha invade,
mas é gostoso.
Que nem fazer pedrinha dançar no rio.

Lagriminha invade,
mas é manhã.
Que nem querer palavra de amor febril.

Lagriminha invade,
mas é outono.
Que nem querer dançar em dor de abril.


(Maíra Guedes - 02 de setembro de 2008)

domingo, 31 de agosto de 2008

No tempo dos amores perfeitos dançar entre correntes era de olhos vendados.
Lá, a modernidade (chata) concordava comos açúcares diários dos cafés nunca amargos.
No tempo dos amores perfeitos não existiam adoçantes, conservantes, fortificantes, anabolizantes...
Era tudo sintonizado com a canção da estação de rádio que jamais se repetia.
Mulheres, homens, plantas, papagaios, cachorros e fredericos
em harmonia constante com os travesseiros e cordas.
Tempo atemporal.
Relógios congelados as 4:57 da tarde.
Um cheiro de praça misturado ao de tangerina e cacau
era o preferido da moça que não tinha um amor perfeito.
Mas mesmo assim ela parara seu relógio,
tinha um papagaio e um frederico.
Mas acordava taciturna.
E nas manhãs entre 7:30 e 8:30 um moço passava na porta de sua torre.
Era o único instante em que sua vida era 4:57 da tarde.
O moço nem imaginava que causava instantes de amor perfeito para a menina.
E ela jamais falaria. Imagine correr o risco de nunca mais ter sensações de 4:57 da tarde?
Ela não sabia se ele já possuia o seu amor perfeito,
e a única Lei do Mundo do Tempo dos Amores Perfeitos
era que ninguém poderia desejar o amor perfeito do outro.
Se o fizesse seria condenado a viver eternamente as 11:49 na manhã.
O pior dos castigos.
E ela se mantinha triste, com seus instantes de sublimação.
Sem saber se aquele que passava poderia ser seu amor perfeito.
Do outro lado, o moço chegava em casa e ia escrever cartas para o seu amor perfeito que um dia chegaria, já que a moça da torre com o cheiro de cacau para ele não sorria...
É. Mesmo no tempo dos amores perfeitos sonhos existiam,
e para eles, a quase sempre cruel realidade.

(Maíra Guedes - Olivença - Ba,25 de dezembro de 2005)

sexta-feira, 29 de agosto de 2008

o vestido

Veio de sensação distante,
num rumpido,
o vermelho do tecido se fez presente nas lembranças.
Abriu a gaveta com os dedos de frio,
com o vermelho nas mãos, sentiu o toque, o suspiro...
Preparava o corpo para fazer parte dele.
E o vermelho caindo aos poucos na pele agora rubra.
E sim. Coube exatamente.
Devagar, por entre a língua, carne, e palavras.
Num suspiro lento, ele coube.
Bailando no corpo, como se ali,
justo no peito, fosse teu palco.

(26.08.2008)

domingo, 24 de agosto de 2008

Tem pedaço de mim por cada parte da casa.
Entram; não percebem.
Um deles pisa-me os cabelos,
outro bebe-me.
Aos poucos pisoteada estou,
cada pedaço de mim,
cada canção entornada por meu pés
agora parece pouco.
Tanto transbordei que despedaçada estou.
Sou despedaço. Desperdiço. Despedida.
Despida em pedaços.
Restam-me apenas os traços,
aqueles ali, deixados na sala de estar.

quarta-feira, 16 de julho de 2008

coisa de bar

Outra foto surge. Insinuando seus passos para os arredores dos olhos dela, ele vem; tropeçando em segredos vagos para que os ombros se aproximem. Em meio ao tilintar já conhecido das canções que se repetem para as mais diversas situações, ela começa; escorregando o corpo devagar, encostando os cabelos nos olhos dele, tentando levar o cheiro, mas o vento de pirraça leva pouco, muito pouco. Além dos inconvenientes assentos a separá-los. Ele enfeita-se de surpresas e gracejos. De repente, como que por motivos justos, alguns se levantam, outros esbarram em outros de outros, e parece que no reorganizar das pernas e copos, com o fantástico burburinho para os despercebidos, parece que...sim! Os pés já se encontram meio que sem querer, e os pêlos do braço dele fazem aquela leve cócega ao encontrar os dela. E finalmente perto eles gargalham típicas e corriqueiras sensações, aquelas criadas para caber na forma exata de palavras que mal respiram ao serem ditas. Enfeitando-se de surpresas e gracejos eles estão cada vez mais perto, e mais,e mais...e...

(inverno de 2007)